DISCURSO DO PANP, DOMINGOS SIMÕES PEREIRA, NA 148ª SESSÃO DA ASSEMBLEIA DA UNIÃO INTERPARLAMENTAR (INTER-PARLIAMENTARY UNION – IPU), EM GENEBRA, SUÍÇA

DISCURSO DO PANP, DOMINGOS SIMÕES PEREIRA, NA 148ª SESSÃO DA ASSEMBLEIA DA UNIÃO INTERPARLAMENTAR (INTER-PARLIAMENTARY UNION – IPU), EM GENEBRA, SUÍÇA

Excelência Túlia Ackson, Presidente da União Interparlamentar, renovados cumprimentos e saudação por Vossa brilhante eleição,
Ilustre Secretário-Geral Martin Chungong
Honoráveis representantes de organizações internacionais aqui presentes;
Caros colegas parlamentares,
Senhoras e senhores,

Ontem, nesta sala, testemunhamos uma extraordinária demonstração da democracia interna e liberdade de expressão dos parlamentares, mas que redundou em mais uma absoluta falta de consenso sobre assuntos básicos. E nem o insistente apelo da nossa presidente logrou desbloquear a situação. Tal deverá forçar-nos a uma reflexão sobre o mecanismo para combinarmos liberdade com eficácia e responsabilidade. Enquanto parlamentares, somos chamados a legislar, a representar, a defender e não a julgar. Há que alterar este quadro para sermos cada vez mais relevantes na abordagem dos assuntos que afligem o nosso mundo, seja na República Democrática do Congo, no Sudão, na Somália, como em Gaza e na Ucrânia. E é nessa mesma perspetiva que hoje condenamos o ataque terrorista de moscovo, exprimindo toda a nossa solidariedade com todo o povo russo e as famílias enlutadas.
Senhora Presidente,

Saúdo a realização desta 148ª Assembleia da nossa organização interparlamentar, me permitindo uma comunicação algo invulgar ao ter de vos assegurar que sou de facto o Presidente da ANP da Guiné-Bissau, eleito por uma maioria significativa da população do meu país e pelos meus pares na sessão inaugural da Assembleia. Somos sim um país pequeno, mas com uma história única de luta pela independência e abertura democrática, e acreditamos num futuro que faça jus ao nosso passado e à nossa história de resiliência e heroísmo.
Infelizmente, hoje, nesse mesmo país, que é o meu…

  • os deputados enfrentam restrições de toda a ordem, impedidos de viajar, só o podendo fazer quando o poder instalado assim permitir;
  • os cidadãos são detidos, levados ao Palácio da República, interrogados e espancados sem que lhes tenha sido aberto ou daí resulte qualquer processo judicial;
  • os deputados são interrogados, ameaçados e detidos, sem que lhes tenha sido levantada a imunidade parlamentar e sem que exista qualquer processo judicial, pela simples circunstância de exercerem o direito de reunião e expressão;
  • O Parlamento continua rodeado por forças institucionalmente não identificadas, mas uniformizadas e fortemente armadas, que já recorreram à violência (incluindo o lançamento de bombas de gás lacrimogéneo) para dispersar e impedir o acesso aos deputados;
  • a autonomia administrativa e financeira do Parlamento foi violada e os salários de alguns deputados e funcionários foram suspensos desde janeiro.

Senhora Presidente,
Senhor Secretário-Geral
Senhores Deputados

Alguns Presidentes de parlamentos aqui presentes têm perfeita ideia a que me refiro pois sentiram o gosto a essa realidade ao serem pressionados a retirarem convites dirigidos a mim e ao nosso parlamento, após chamadas do nosso Presidente da República aos homólogos desses países.
Não fosse essa afronta, teria o prazer de vos falar aqui de um país magnífico, de gente simples e acolhedora e com uma forte crença no futuro, e de vos convidar a vir visitar-nos e descobrir a simpatia e a hospitalidade do nosso povo. Mas hoje sinto-me na obrigação de partilhar este retrato sombrio, mas real do que vivemos diariamente.

Excelências, Ilustres Deputados,

A histórica proclamação do Estado da Guiné-Bissau em 1973, feita unilateralmente pelos nacionalistas que seguiram Amílcar Cabral, apesar de se encontrarem no meio de uma luta armada, foi precedida pela criação da Assembleia Nacional Popular com representação por todo o território nacional. No início da década de 1990, o país adotou o regime democrático, assumindo formalmente a separação dos poderes entre o legislativo, o executivo e o judiciário, e elegendo o semipresidencialismo como o sistema de governo.
O Presidente da República é, portanto, o chefe de Estado, mas o chefe do governo é um Primeiro-Ministro, nomeado pelo Presidente, tendo em conta os resultados das eleições parlamentares, tornando o governo uma emanação perfeita do Parlamento.
Ignorando estas disposições e colocando-se acima das leis e da Constituição, o PR socorre da hierarquia militar e das forças de segurança, bem como de uma milícia privada, para agravar a sua incapacidade de coexistir com um governo e um parlamento liderados por um partido diferente do seu (a Coligação PAI Terra – Ranka, liderada pelo PAIGC, partido do qual sou presidente, que elegeu 54 deputados dos 102). Com base nesta interjeição, o PR decretou em 4 de dezembro de 2023 a dissolução do Parlamento, apenas três meses após o início efetivo da legislatura, invocando uma alegada tentativa de golpe de estado, para a qual não foi produzida nenhuma prova efetiva e que diferentes quadrantes da sociedade consideram uma invenção.
Por unanimidade, todos os constitucionalistas conhecedores ou familiarizados com a realidade guineense qualificaram esse ato como inconstitucional, juridicamente inexistente, constituindo antes uma tentativa de golpe de Estado institucional, que visa concentrar todos os poderes numa só pessoa, com vista à manutenção no poder.
Refira-se que o referido decreto de dissolução do Parlamento foi precedido do cerco à residência do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e ao próprio Tribunal, por homens armados pertencentes ao batalhão da Presidência, o que obrigou à renúncia do Presidente e sua substituição por alguém da confiança pessoal do PR.
Este terrível quadro fica, no entanto, incompleto sem mencionar a figura do Procurador-Geral da República nomeado pelo PR, alguém anteriormente classificado pela CEDEAO como elemento perturbador da ordem democrática do país e cuja destituição foi solicitada.
A Procuradoria-Geral da República tornou-se no órgão judicial de perseguição política dos cidadãos em geral e dos deputados em particular, que violam com maior frequência e recorrência as Leis e a Constituição da República.

Caros Deputados,

Todos aqui presentes reconhecemos os direitos humanos como a pedra angular de qualquer sociedade civilizada e democrática, representando a primeira condição para a construção de um Estado de direito justo e igualitário. É, portanto, inaceitável que num Estado que reclame tais atributos, os representantes do povo sejam tratados como inimigos do Estado, sujeitos a sanções por terem exercido as suas legítimas prerrogativas. A liberdade de expressão e o direito de manifestação pacífica são garantias fundamentais e não concessões revogáveis a qualquer momento pela vontade superior daqueles que controlam o poder repressivo.
Em face disso, temos de questionar: que tipo de democracia estamos construindo quando os eleitos do povo são substituídos pelos que servem o regime e o agrado de um indivíduo? Como fica a justiça quando os responsáveis pela proteção dos cidadãos se convertem nos principais perpetradores ou promotores da violência e das violações?
Chegou, portanto, o momento de adotar posições firmes e inequívocas a favor dos direitos humanos e da democracia. O medo e a intimidação não devem substituir o diálogo e o respeito mútuo, a transparência, a responsabilidade e a responsabilização, exigidos de todos aqueles que detêm ou participam no exercício do poder, seja político, económico ou outro.

Caros colegas parlamentares,

Concluo reafirmando o nosso comprometimento com a justiça e a liberdade, exortando à união neste momento crucial, à rejeição clara e inequívoca de toda e qualquer tendência de justificar ou minimizar a gravidade das violações dos direitos humanos em nome da segurança ou da pretensa estabilidade política. Não podemos permanecer silenciosos perante a injustiça e a opressão.
Que esta casa, seja cada vez mais a dos legítimos representantes dos nossos povos e, se converta em um farol de esperança e resistência contra todos os que tentem minar os valores democráticos que tanto custam a conquistar e ainda mais a manter. Juntos, podemos e temos de defender e promover os direitos humanos e a dignidade de todos os cidadãos, sem exceção.
Que a história nos julgue não pelo nosso silêncio, mas pela coragem e determinação em enfrentar a injustiça e a violação dos direitos humanos onde quer que ela se manifeste.

Muito obrigado.